Plano de saúde deve cobrir Terapia DENVER para Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Introdução
Em muitos casos de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), um dos tratamentos indicados é o modelo Denver, voltado para a Intervenção Precoce e que tem como objetivo definir características de desenvolvimento, o que exige a intervenção de profissionais de diversas áreas do conhecimento .
Como se percebe, trata-se de um tratamento multidisciplinar que envolve o acompanhamento por vários profissionais e especialmente adequado para crianças na tenra idade, devido à sua característica de intervenção precoce. Em linhas gerais, tem-se o seguinte:
““O Modelo Denver de Intervenção Precoce (em inglês: Early Start Denver Model), às vezes chamado apenas de ESDM pelo seu acrônimo em inglês, é uma forma de terapia dirigida a jovens crianças que apresentam sinais precoces de estar no espectro do autismo. O modelo foi proposto pelas psiquiatras americanas Sally J. Rogers e Geraldine Dawson. Destina-se a ajudar as crianças a melhorar traços de desenvolvimento o mais cedo possível, de modo a reduzir ou eliminar as lacunas nas capacidades entre o indivíduo e seus pares .(...) O Modelo Denver visa utilizar “rotinas de atividades conjuntas” que explora os interesses naturais da criança para explorar seu potencial de aprendizagem, moldando suas atividades cotidianas com seus cuidadores para maximizar seu potencial de desenvolvimento de acordo com o diagnóstico que faz seu nível de desenvolvimento. Rogers e Dawson descrevem os principais recursos da ESDM como:
1. uma equipe interdisciplinar que implementa uma rotina de desenvolvimento que aborda todos os domínios; 2. foco no engajamento interpessoal; 3. desenvolvimento da imitação fluente, recíproca e espontânea de gestos, movimentos e expressões faciais e uso de objetos; 4. ênfase no desenvolvimento da comunicação não-verbal e verbal; 5. foco nos aspectos cognitivos do brincar realizado dentro das rotinas de jogo diádico; 6. envolvimento dos pais no processo. ”( wikipedia.org ).
Contudo, diversos planos de saúde têm negada a cobertura ao tratamento, sob a justificativa de que o procedimento não constava no rol obrigatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Na verdade, essa negativa se dá devido ao alto custo do tratamento, pois além de ser contínuo e por tempo indeterminado, como dito, envolve múltiplos profissionais.
Os planos de saúde são obrigados a cuidar da terapia DENVER?
Apesar da recalcitrância das operadoras de planos de saúde, atualmente não há mais discussão, os planos de saúde são sim obrigados a custear os tratamentos para o TEA, o que inclui a terapia DENVER.
Como amplamente noticiado nas mídias sociais, em junho de 2022, o STJ, com vistas a dar uma solução à controvérsia, em decisão bastante polêmica, decidiu que o papel de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, tributário, o que teve como principal efeito prático a exclusão da cobertura de métodos empregados no tratamento de pessoas autistas.
Contudo, depois de uma grande repercussão social e mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ, a qual passou a prever, de maneira expressa, o caráter exemplificativo do papel da ANS.
A Lei n. 14.454/2022, publicada no dia 22/09/2022, a qual entre outras medidas acrescentadas os §§ 12 e 13 do artigo 10 da Lei n. 9.656/1998, com a seguinte redação:
"Art. 10(...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui uma referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixam as diretrizes de atenção à saúde.
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não contenha disposições previstas no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - existe comprovação de eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existem recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou existe recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovados também para seus nacionais.”
Na prática, o novo texto da lei define que o plano de saúde deve autorizar a cobertura de tratamentos ou procedimentos não contemplados no Rol da ANS.
É evidente que as normas que restringem a cobertura das operadoras de planos de saúde têm como objetivo principal harmonizar a relação contratual, garantindo segurança, eficácia e equilíbrio contratual, a fim de preservar a previsão do sistema de saúde suplementar.
Essas normas protegem os interesses dos usuários, ampliando a cobertura em relação a doenças. Ao mesmo tempo, também protegem os interesses das operadoras ao estabelecer antecipadamente os procedimentos que elas são obrigadas a custear, permitindo uma previsão das despesas a serem realizadas e garantindo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, independentemente de existirem ou não especificamente lucrativas.
Em conformidade com tais princípios e com o intuito de resolver a disputa sobre os tratamentos recomendados para indivíduos reportados com Transtorno do Espectro Autista - TEA, a agência reguladora emitiu a Resolução Normativa ANS nº 539, datada de 23 de junho de 2022, para modificar a Resolução Normativa nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que trata do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde na esfera da Saúde Suplementar:
"Arte. 3º O art. 6º, da RN nº 465, de 2021, passa a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação:
"Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvem o tratamento/manejo dos beneficiários de portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno da espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento ao prestador para a execução do método ou técnica indicada pelo médico assistente
para tratar a doença ou agravo do paciente."
O objetivo dessa ação foi regular a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento/gestão de beneficiários identificados com TEA e outros transtornos globais de desenvolvimento.
O disposto no anexo II desse documento normativo, recentemente modificado pela Resolução Normativa nº 539, de 23 de junho de 2022, garante que os planos de saúde ou seguros de saúde exigem o fornecimento de cobertura integral para os tratamentos intensivos de fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional destinada a pacientes com transtornos específicos de fala e linguagem, bem como para aqueles com transtornos globais de desenvolvimento, incluindo o Autismo.
Nesse contexto, é importante ressaltar que a alteração legislativa reforça a ideia de que, em relação aos métodos terapêuticos sugeridos, cabe ao médico assistente selecionar o tratamento mais adequado para o paciente, levando em consideração o diagnóstico e as opções terapêuticas disponíveis para o distúrbio do paciente neurodesenvolvimento do paciente.
Não é consistente, nem razoável, exigir que o plano de saúde assuma a responsabilidade pelo tratamento da condição do paciente e, ao mesmo tempo, restrinja os recursos necessários para o seu cuidado, especialmente porque é responsabilidade do médico, e não do plano de saúde , determinar o tratamento e a intensidade mais protetora para o caso específico do paciente.
É fundamental lembrar que estamos lidando com algo de valor inestimável: a vida e a saúde do paciente, uma criança em uma condição particular de desenvolvimento que necessita de cuidados adequados.
Assim, de acordo com a alteração legislativa, é obrigatório o tratamento multidisciplinar utilizando o método DENVER, desde que seja recomendado pelo médico do paciente.
O que fazer em caso de negativa do tratamento na rede credenciada? Há direito de opção de reembolso fora da rede credenciada?
Como visto acima, as obrigações do plano de saúde são incontestáveis, devendo o plano de saúde custear/autorizar o tratamento ao autor da forma prescrita pelo médico assistente em sua rede credenciada. Trata-se de orientações que guardam consonância com o disposto no artigo 6º, caput, da Resolução Normativa nº 465/2021 e no Enunciado 100 da III Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça.
Contudo, se o tratamento não for realizado na rede credenciada é essencial estabelecer uma diferenciação no que diz respeito ao reembolso.
Se o paciente optar por receber o tratamento fora da rede credenciada, utilizando o direito de livre escolha, e houver pessoas interessadas para realizar o método prescrito pelo médico na rede, o reembolso será processado de acordo com as disposições previstas no contrato, podendo ser integral ou não depende de ajustes contratuais.
Entretanto, se o tratamento não puder ser realizado na rede credenciada devido à falta de profissionais especializados para obter receita médica, o reembolso deverá ser concedido integralmente. Essa orientação está alinhada com o artigo 9º da Resolução Normativa nº 259, de 17 de junho de 2011.
Além disso, a negativa exige o dever de indenização por dano moral, pois a negativa de tratamento é essencial para sua qualidade de vida e progresso do paciente indevidamente restrito, resultando em aflição e angústia ocasionais em uma situação de extrema vulnerabilidade, especialmente considerando a importância do tratamento devidamente previsto pelo médico assistente.
Tal recusa vai contra os princípios da função social do contrato e da boa fé objetiva, uma vez que restringe direitos inerentes à natureza do contrato de serviços de plano privado de assistência à saúde.
Isso teve um impacto inegável e significativo tanto no aspecto pessoal quanto social, moral e psicológico da pessoa autista.
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